Em consequência do surto do novo Coronavírus, temos ouvido ou lido com frequência o termo “quarentena”. Essa é uma medida restritiva na qual pessoas que podem oferecer risco de contágio quando infectadas pelo vírus passam a ficar isoladas. Embora tal medida não dê uma solução absoluta para o problema, contribui bastante para a não disseminação da doença.
O sentido primeiro da Quaresma é a preparação de pessoas que se converteram à fé cristã e irão abraçá-la diante de toda a comunidade na noite da Páscoa por meio do Batismo. Porém, há um outro sentido – até mais difundido – que é uma espécie de retiro espiritual comunitário no qual se faz uma revisão de vida a partir de um processo de conversão, que deve ser contínuo, em que todos os fiéis tomam parte. É aí que entra a tal da quarentena.
Em razão de sua natureza, a Quaresma propõe recolhimento, valorização e busca do silêncio, e a intensificação das orações para que a revisão de vida possa realmente acontecer. Assim, porque corremos o risco de sermos infectados com o vírus do egoísmo, da violência e da mentira, não raras vezes precisamos de uma “quarentena espiritual”: um tempo de reflexão para combater aquilo que diminui a vida em nós e põe os nossos relacionamentos em risco. Aqui o isolamento não pode ser entendido como um processo para fechar-se em si mesmo, pois, a espiritualidade sempre nos abre para os outros, mas, como um processo de interiorização exatamente para se aproximar dos outros com mais responsabilidade.
Do mesmo modo que uma pessoa infectada pelo Coronavírus ou qualquer outra doença infecciosa deve ter seus cuidados em relação aos que o cercam, também o nosso desajuste espiritual tem de ser levado a sério para não ofendermos ou prejudicarmos os nossos semelhantes.
Recordo-me das sábias palavras de Clarice Lispector, que revela a necessidade que todos temos de realizar um exercício espiritual: “Estou com saudade de mim. Ando pouco recolhida, atendendo demais ao telefone, escrevo depressa, vivo depressa. Onde está eu? Preciso fazer um retiro espiritual e encontrar-me enfim – enfim, mas que medo – de mim mesma.” Sendo assim, desejo a todos uma boa quarentena espiritual!
.
Pe. Éverton Machado dos Santos
Pároco da Paróquia São João Batista, em Jacareí.
.
.
.
.
.
.
.
.
.